Em 4 de agosto, a Lei nÂș 14.192/2021, que alterou o Código Eleitoral e tornou crime a violĂȘncia política de gĂȘnero, completou trĂȘs anos. A lei estabelece regras jurídicas para prevenir, reprimir e combater a violĂȘncia política contra a mulher nos espaços e nas atividades relacionadas ao exercício de seus direitos políticos. A norma também assegura a participação de mulheres em debates eleitorais e criminaliza a divulgação de fatos ou de vídeos com conteúdo inverídico durante a campanha eleitoral.
Segundo a norma, serão garantidos os direitos de participação política da mulher, vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça no acesso às instâncias de representação política e no exercício de funções públicas. "Considera-se violĂȘncia política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os seus direitos políticos", diz a lei.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), do final de 2021 até o momento, foram 215 casos de suposta prĂĄtica de violĂȘncia política de gĂȘnero acompanhados pelo Grupo de Trabalho (GT) de Prevenção e Combate à ViolĂȘncia Política de GĂȘnero. Entre os tipos de denúncias, destacam-se ofensas, transfobia, agressões, racismo, violĂȘncia psicológica, sexual e moral, entre outras.
No MPF, o grupo de trabalho foi formalmente instituído pela Portaria PGE nÂș 7, de 17 de junho de 2021. A pĂĄgina do GT reúne todas as representações enviadas pelo grupo aos procuradores eleitorais, para que sejam analisadas e tomadas as providĂȘncias cabíveis.
A procuradora Raquel Branquinho, coordenadora do GT, diz que a Lei nÂș 14.192 é um marco porque a violĂȘncia moral, simbólica, econômica, verbal, física, sexual ainda não tinha uma definição.
"Isso atrapalhava muito a defesa, a prevenção, o enfrentamento desses atos que, em última anĂĄlise, afastam as mulheres de ocupar espaços de poder, principalmente na vida política".
"Essa lei vem conceituar a violĂȘncia política de gĂȘnero como qualquer tipo de ato que, por discriminação em relação ao gĂȘnero, afaste ou dificulte o papel e o desenvolvimento das atividades políticas, eleitorais e partidĂĄrias das mulheres nos espaços de poder.
A violĂȘncia política contra a mulher é qualquer ação ou omissão que tem a finalidade de impedir ou restringir os direitos políticos femininos nos espaços de poder. A lei transcende um aspecto eleitoral apenas. Ela é mais ampla, vai tratar de combater a violĂȘncia contra a mulher. É um instrumento que os operadores do direito podem usar como referĂȘncia quando hĂĄ discriminação, de violação de direitos femininos", diz a procuradora.
No site do GT, hĂĄ orientações de como vĂĄrios órgãos podem receber denúncias e representações de violĂȘncia política de gĂȘnero. "Ali, a gente tem um passo a passo para encaminhar ao Ministério Público Eleitoral pelas procuradorias regionais eleitorais.
Na pĂĄgina da sala do cidadão, do Ministério Público Federal, jĂĄ recebemos todo tipo de representação e encaminhamos a quem tem atribuição para isso. Além das pĂĄginas dos tribunais regionais eleitorais, nas procuradorias regionais, qualquer cidadão e vítima tem que ter noção de que é um tipo penal específico o crime de violĂȘncia política, que é o artigo 326 B do Código Eleitoral.
É um crime federal, então pode procurar a Polícia Federal, o Ministério Público. Quem representar vai receber um número para acompanhamento, para onde foi encaminhada a representação, quais são as providĂȘncias que estão sendo adotadas."
Qualquer tipo de violĂȘncia, principalmente contra candidatas ou detentoras de mandato eletivo, caracteriza crime de violĂȘncia política de gĂȘnero, com pena de um a quatro anos de prisão.
"Quando a gente recebe uma representação, encaminha para quem vai ter atribuição de investigar aquele caso, Ministério Público Eleitoral com a polícia.
Ali se abre uma investigação ou, dependendo da situação, pode até apresentar ao Poder JudiciĂĄrio diretamente, se jĂĄ tiver as provas. A partir dessa representação e da investigação, é feita uma denúncia.
Os juízes vão analisar, abrir oportunidade para o agressor fazer sua defesa e o processo vai tramitar, é um processo criminal, como jĂĄ tem ocorrido em diversas situações, inclusive com condenações.
Nós também, pelo GT, temos estimulado muito a realização de provas de uma forma mais rĂĄpida, porque muitas das agressões são feitas por mídias sociais ou por meios eletrônicos que requerem procedimento pericial mais rĂĄpido e eficiente a fim de caracterizar quem estĂĄ fazendo esse tipo de violĂȘncia", afirma Raquel.
Segundo a procuradora, o ataque à deputada Marina do MST, em 12 de agosto do ano passado, por bolsonaristas em Nova Friburgo, na região serrana do Rio, configura violĂȘncia política de gĂȘnero.
Marina estava na cidade para duas plenĂĄrias de prestação de contas de seu mandato, uma no centro e outra no bairro Lumiar. Ela realizou plenĂĄria no centro da cidade, mas quando chegou no bairro Lumiar, a deputada e sua equipe foram agredidas fisicamente, com pedras, ovos e garrafas.
"Ofender, atacar, discriminar é uma violĂȘncia política de gĂȘnero sem dúvida. Muitas vezes, esses ataques são feitos em espaços de mídia ou nos espaços públicos, com grande repercussão na sociedade.
Isso estimula outras pessoas a criar uma rede de violĂȘncia contra essas mulheres que ficam expostas. Isso é muito grave e leva à necessidade de elas terem restrição à sua própria liberdade do exercício da atividade política, por não poderem se locomover de um local para outro nos seus espaços de trabalho com segurança e tranquilidade, em razão dos estímulos desses tipos de ataque e discursos de ódio", diz a procuradora.
"Eu considero que sofri uma violĂȘncia política de gĂȘnero porque faço luta politica a minha vida inteira e sempre fiz coisas muito parecidas com o que a gente foi fazer lĂĄ, uma plenĂĄria do mandato. Sempre fui a muitas comunidades dialogar com o povo e nunca havia acontecido algo parecido comigo.
Fiz a denúncia na Delegacia de Crimes Raciais e Delito de Intolerância e no Ministério Público. Oito foram denunciados e trĂȘs foram condenados a pagar cestas bĂĄsicas", diz a deputada Marina.
As mulheres são 53% do eleitorado, mas ocupam 15% das cadeiras na Câmara dos Deputados, 12% do Senado, 17% das câmaras municipais e 12% das prefeituras.
Fonte: Gazeta Digital