Para a historiadora Wania Sant"Anna, conselheira do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdade Raciais (Cedra), o Brasil passa por "um momento de reconhecimento de pertencimento étnico-racial no terreno da negritude e da afrodescendência".
Segundo ela, o resultado consolida uma trajetória que já vinha desde o recenseamento de 1991 e que "não tem volta".
"O que comprova isso [reconhecimento com a afrodescendência] é essa mudança expressiva dos pretos, que mais que dobraram entre os anos 80 e os dias atuais", aponta Wania, que também é presidente de governança do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e integrante da Coalizão Negra por Direitos.
A pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Tatiana Dias Silva converge com a explicação de que não é apenas a questão demográfica que causou o aumento de negros na população.
"Tem alguns estudos da composição de componentes demográficos para identificar se tem mais taxa de natalidade e fecundidade da comunidade negra, e não conseguem justificar demograficamente essa mudança", explica.
Debates
Wania Sant"Anna cita dois grandes fatores que explicam, na visão dela, o reconhecimento das pessoas com a negritude. Um são os debates públicos mais abertos sobre desigualdades raciais, racismo e preconceito.
"As pessoas são discriminadas por causa da sua cor. À medida que esse debate se torna público, os sujeitos pensam "isso poderia ter acontecido comigo porque essa é a minha cor, esse é o meu cabelo, esse é o meu território". Então o debate sobre racismo tem contribuído muito", avalia.
Outro fator, aponta Wania, são as manifestações culturais populares que falam sobre racismo, como música e literatura.
"A gente não pode esquecer o impacto que o hip-hop e o funk estão produzindo na população jovem e não tão jovem também. Esse debate fala de raça, racismo e cor de pele. Isso informa as pessoas. As pessoas não estão sendo informadas apenas pela branquitude", disse.
O efeito dessa conscientização, acredita Wania Sant"Anna, aparece quando o recenseador pergunta às pessoas com qual raça se identificam.
A integrante da Coalizão Negra por Direitos ressalta que esses debates públicos não existiam com a mesma força décadas atrás.
Visão compartilhada com Tatiana, do Ipea. "A gente está tendo ao longo dessas últimas duas décadas muito mais discussão sobre a questão racial. Isso deixa de ser encarado como um tabu, e as pessoas falam sobre isso e acabam também se reconhecendo mais a partir das suas origens como negras", diz a pesquisadora cedida ao Ministério da Igualdade Racial (MIR).